Trocar carros, ônibus, asfalto e poluição por águas transparentes, mata virgem e praias desertas não é luxo, é necessidade. Nem que seja por alguns dias, o sentimento de liberdade e de aventura é algo único. Viver intensamente faz bem, traz felicidade e eu vou te mostrar como fazer sem gastar muito dinheiro neste blog.
Para você que mora no Rio ou São Paulo a Ilha Grande é uma ótima opção. Um paraíso a dois passos da capital fluminense que os paulistas, argentinos e franceses conhecem melhor do que os cariocas.
O Trajeto
Pedi uma barraca emprestada. Arrumamos a mochila no dia anterior e acordamos o mais cedo possível, às 7. São 114 km do centro do Rio até Conceição do Jacareí, um dos lugares de onde se pode tomar um barco para a Ilha Grande. Esse trajeto me custou 16 reais. Como? Fácil! Um trem da Central do Brasil até Santa Cruz, na zona oeste do Rio. Depois dois ônibus locais até Conceição.
Depois dessas muitas conexões negociei, como faço sempre que é possível, o preço do barco de 25 para 20 reais por pessoa. Tomamos uma cerveja com parte da diferença esperando o barco (hehe!).
Abraão
Abraão é legal pra conhecer gente, ouvir musica ao vivo, comer num restaurante, dançar forro... Tem supermercado, bar, um montão de gringos, muitas opções de hotéis, pousadas, campings (consegui pagar de 15 a 20 reais por noite na ilha toda)... Muito divertido sim mas não era bem ir a Disneylândia que a gente estava procurando.
Assim, naturalmente, decidimos ir à praia de Parnaioca, no lado sul da ilha. Seria o começo de vários dias de intensa caminhada. Nós ainda não sabíamos mas íamos dar a volta toda na ilha por 60 km de trilhas pela mata densa.
Parnaioca
A trilha para Parnaioca não é fácil mas vale a pena. Essa é uma das praias mais isoladas da ilha. Tinhamos eu e ela sozinhos 1000 metros de areia para por nossas cangas, relaxar, ler um livro, nadar nu... Era ISSO que a gente estava procurando. Sim! Enfim no paraíso. Foi uma caminhada de mais de 6 horas para chegar ali (15,5 km). Vi um tatu, muitas pássaros e escutei sons de acasalamento um tanto ameaçadores dos macacos dali. No dia seguinte ao acordar na minha barraca de frente para o mar me senti um ser humano privilegiado. Os dias na ilha até ai tinham sido chuvosos ou nublados e esse dia foi o primeiro dia de sol nesse fim de inverno que não queria terminar.
Parnaioca é realmente um lugar incrível e não só pela beleza natural. A história de muitas comunidades na Ilha Grande são surpreendentes. Naquele lugar já viveram mais de 1000 pessoas que viviam da pesca e agricultura. Dá pra visitar a igrejinha e o cemitério que servem de prova desse fato que é difícil de se imaginar já que hoje em dia o número de habitantes do lugar é 5. Isso mesmo. 5 habitantes e 3 campings. Escolhemos um que nos pareceu mais conveniente. Tinha luz por gerador e cozinha e banheiros impecáveis por R$25 por pessoa por noite.
A historia também é algo a notar da vila fantasma que fica no caminho pra Parnaioca. Isso porque a vila de Dois Rios já abrigou o presídio Cândido Mendes em tempos em que a ilha não era vista pelas autoridades como um paraíso ecológico mas como um local estratégico. As casas dos ex-funcionários do presidio, antes grandes e bonitas hoje estão em péssimo estado de conservação. E surpreendente caminhar por ruas de terra com frondosas arvores e imponentes casas ou pela espaçosa praça na entrada da vila contextualizando tudo isso com o passado que hoje parece longínquo.
Aventureiro
Depois de passar pelas intermináveis (de tão longas) praia do Leste e praia do Sul chegamos à vila do Aventureiro. Sim, é uma aventura chegar la. Mas quando você chega não quer mais sair. São muitas atrações como o famoso “coqueiro deitado” e os dois mirantes para admirar o local. Um deles tem uma escadinha de corda bem duvidosa mas que aguenta bem o peso do aventureiro que quer chegar na pedra mais alta da praia.
E lá que rola luau, os caiçaras são receptivos e cantam junto com o violão. Lugar excelente para encontrar gente que gosta de viver.
Praia Grande de Araçatiba
5 horas de caminhada e chegamos a Araçatiba. Uma praia menos isolada (lá aceitam cartão enfim!) mas um lugar maravilhoso quando a ideia é relaxar. Pela primeira vez (e ultima) tivemos o luxo de dormir em uma cama! Fora de temporada foi possível negociar um quarto para duas pessoas por 40 reais. Aproveitamos aí uma pausa confortável, um daqueles momentos em que você realmente valoriza cama e comida. E aproveitamos para conhecer um lugar que podia ser cenário de filme hollywoodiano, a Lagoa Verde. De que mais alguem precisa num lugar desses?!
A volta
Ok. Agora falta terminar a volta da ilha. O lado norte da ilha é menos selvagem mas mesmo assim com muitos lugares paradisíacos. Realmente não deu pra conhecer tudo mas é sempre bom deixar algo pra conhecer na próxima vez.
Era hora de mais um dia de caminhada. Chegamos até Bananal passando por por outra vila fantasma, Matariz. Uma comunidade pobre construída em torno das ruínas de uma fabrica de sardinha. Imponentes e tristes essas ruínas de concreto por fora e de azulejos brancos por dentro, que ocupam a parte central da praia e da comunidade, chegam a dar medo. Outro lugar bizarro é Ubatubinha onde também uma mansão foi construída no meio da trilha e ocupando toda a orla da praia.
Todo esse caminho para chegar em Bananal e descobrir que não há campings lá e as pousadas são cara e não valem a pena. E agora?
O jeito foi pedir licença a uma senhora para por a nossa barraca no seu quintal. “Só pra passar a noite e amanhã a gente sai bem cedinho, senhora.” E é ai que viajando a gente se surpreende em como as pessoas podem ser boas. Não só Dona Maria nos ofereceu seu quintal mas passamos um bom tempo escutando velhas historias da ilha: “70 anos passados aqui em Bananal. Nasci, me criei, casei, tive filhos e fiquei viúva aqui”. Ela também nos ofereceu um pouco de café e pão com manteiga de manhã. Bom combustível que precisávamos para chegar a Abraão depois de algumas horas finais de caminhada.
Chegar ao famoso aqueduto já nas imediações de Abraão nos trouxe uma sensação muito agradável. Chegamos. Demos a volta na Ilha! Depois dessa nos merecíamos muitas cervejas e alguns dias de praia e descanso antes de voltar pro Rio.
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